Ano novo com liberdade… Sempre!

Ano novo com liberdade… Sempre! 629 345 Instituto Palavra Aberta

O Instituto Palavra Aberta reafirma em 2016 o seu compromisso em prol da liberdade de expressão, de imprensa e da livre iniciativa. Para tanto, publica o artigo da ministra do STF, Cármen Lúcia, que está no segundo volume do livro Pensadores da Liberdade. Boa leitura!

Verbo Livre

Carmen-Lucia-_-Foto-Instituto-Palavra-Aberta* Cármen Lúcia

Mais que princípio, verbo é liberdade. Quem não é senhor de sua expressão não se há de imaginar dominando qualquer outro patrimônio. Por isso, o verbo, como expressão informativa de um povo ou notícia oferecida à sociedade, há de representar a liberdade de ideias, informes e análise dos fatos.

A história é contada a partir das narrativas deixadas em cada época. É feita a partir dos relatos noticiados a garantir ao povo manifestar seus pensares e fazeres. Viver livre impõe o verbo livre. Pelo verbo revela-se o pensamento. O pensamento promove o debate, o debate conduz à decisão, a decisão leva à ação, a ação constrói a vida.

Vida democrática mostra confluências e conflitos, tudo a se resolver pela exposição, compreensão e composição de ideias, incluídas as antagônicas, para se chegar ao consenso. Democracia incondiz com o silêncio imposto. Silêncio é linguagem legítima apenas entre viventes que se compreendem com outras formas de entendimento, quando já não é preciso a palavra, tão certo é um do outro. Viver com o outro, con-viver, requer diálogo.

A criação da imprensa possibilitou a democracia como atualmente entendida e praticada. A imprensa permitiu que de dentro das câmaras saíssem as informações, antes detidas por poucos, autoproclamados ungidos pela graça divina para todos governar. A imprensa possibilitou o dito popular: a voz do povo é a voz de Deus. Antes, era a voz de Deus, concebida e restrita a parlatórios cerrados, que se faziam voz do povo. Povo este sem vez, sem voz. O surdo é sempre mudo. Quem não escuta tem dificuldades em se fazer exprimir.

A imprensa abriu a palavra. Palavra aberta é voz livre. Quanto maior o espaço de liberdade, maior o alcance da fala e maior a compreensão crítica de quem escuta. Sem imprensa não há democracia. A democracia é o modelo de convivência no qual prevalece a liberdade. Não saber impede o fazer livre. Sem informação a pessoa não é livre, senão escravo de sua ignorância, quando não mesmo do outro, detentor da mordaça em que se converte a informação cerrada.

No espaço da polis, tanto pior é a ausência de informação livremente oferecida. Mais que não informar, noticia-se apenas o que oficialmente se quer seja percebido como verdade de dados, de fatos. Pode-se ter a oficialização da história. Não a vivida, mas a do interesse de quem detém o poder. Informação livre é essencial à vivência democrática, o que se há de ter com a imprensa desabrida, destemida, crítica e plural.

Não é casual, antes é fruto de muita luta, a liberdade constitucionalmente assegurada no Brasil. Não são apenas estátuas de tiranos que caem ao final das ditaduras. São as formas diretas e indiretas de censura que se derrubam como a proclamar o cidadão o rompimento das travas que impedem a fala e roubam do povo sua construção política livre, substituída por balbucios de conveniência dos eventuais detentores de poder antidemocrático.

Há que se lembrar sempre, contudo, que o verbo mantém-se livre pelo permanente zelo dos que têm o compromisso democrático de não permitir governos que não saibam conviver com o diferente, que não queiram que todos se informem de tudo para criticamente fazer suas escolhas, que não tolerem a pluralidade. As normas garantidoras da liberdade de informar e de ser informado, na base da qual se tem a liberdade de imprensa, estão em vigor. Há que se cuidar de preservá-las e mantê-las sempre efetivas. A tarefa é contínua e ininterrupta. Mas a democracia sempre vale a pena. Sem ela é a uniformidade que desiguala, o silêncio que ensurdece, a desinformação que angustia.

Há de se manter a palavra aberta, a democracia sustentada e a convivência enriquecida. Então se terá a certeza de que, da experiência sofrida, o homem reinventou o caminho mais suave, aquele palmilhado com liberdade, que alarga o rio e garante o porto, que é espaço plural, no qual todos cabem.

* Cármen Lúcia é ministra do Supremo Tribunal Federal (STF)

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